terça-feira, 28 de outubro de 2014

DILMA E AS CIRCUNSTÂNCIAS DA VITÓRIA

“Digo, portanto, que as armas com que um príncipe defende seu estado ou são próprias, ou mercenárias ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Quem tem o seu estado baseado em armas mercenárias jamais estará seguro e tranquilo, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, sem temor a Deus nem probidade para com os homens. O príncipe apenas terá adiada a sua derrota pelo tempo que for adiado o ataque, sendo espoliado por eles na paz e pelos inimigos na guerra.”
Nicolau Maquiavel – O Príncipe, Florença, 1513.

Fecharam-se as urnas. O PT venceu. Na democracia, cabe aos derrotados reconhecer a derrota, ainda que duvidando que, se o resultado fosse inverso, a atitude do outro lado seria a mesma.

Aécio o fez. Saiu das urnas maior do que entrou. Superou os limites do marketing que se rende às médias das pesquisas. Rompeu os limites da mediocridade da política tradicional. Entendeu e conectou-se com a alma da Nação que carregou-o nos braços no chão da rua, fora dos palanques tradicionais em mais de uma ocasião. Traduziu essa compreensão no discurso da libertação do Brasil e tocou o coração das forças vivas da Nação. Teve a grandeza de sugerir à presidenta reeleita o gesto da conciliação, não obstante ter sido vítima das mais baixas vilezas de que se tem conhecimento em eleições presidenciais no Brasil. Talvez pudesse ser mais contundente na afirmação de linha de oposição que liderará, mas terá oportunidade de fazê-lo com atitudes.

Marina Silva, premonitória, disse, após ser expulsa do segundo turno pelos ataques vis do PT e declarar apoio à mudança: “- Eu prefiro perder ganhando a ganhar perdendo”.

Quem ganhou e quem perdeu?

O desafio da análise política é entender o significado do resultado de uma eleição, sabendo que o leitor busca o porto seguro da antecipação do futuro.

Não há porto seguro; não há zona de conforto. A política é o reino da mutação. A vitória de hoje pode ser a derrota de amanhã. E vice e versa.

Entendamos, então, o que Dilma ganhou.

Em primeiro lugar, Dilma herda de si mesma uma Nação em frangalhos.

Inflação acima do teto da meta; recessão; crise fiscal, crise nas contas externas, alto endividamento público, represamento artificial de preços controlados, perda de credibilidade perante o mercado e investidores, máquina pública inchada e cara, queda de arrecadação de impostos, estatais quebradas, isolamento perante as forças vivas da Nação e um clima político intoxicado pelos ataques abaixo da linha da cintura praticados pelos petistas, por Dilma e por Lula.

Os mais magoados são os eleitores de Marina e Aécio, que saem das urnas desconfiando de fraude, falando em impeachment, dispostos a seguir na ruas e esperando dos tucanos uma oposição firme, à altura do tom que Aécio imprimiu aos debates.

Em segundo lugar, Dilma derrotou(?) nas urnas a metade do país que é mais importante pela qualidade do que pela quantidade. Quem gerou a votação de Aécio não foi nenhuma sigla formal; foi o maior partido do Brasil hoje, o antipetismo. Um partido informal que não existiria não fosse a existência do petismo. Por que será? Gente sem envolvimento com política se expôs nas ruas e nas redes sociais aos milhões. A ânsia por liberdade segue viva, mobilizada e mais indignada que durante a campanha.

Quem carregou Aécio nos ombros em Copacabana, saiu em passeata no Largo da Batata e na Faria Lima, no centro e no Parque Moinhos de Vento em Porto Alegre, no centro de Recife e em outras metrópoles do Brasil; quem gritou 1,2,3 Lula no xadrez na em frente ao MASP dia 25/10 e foi às ruas em passeatas em véspera de eleição (alguém já havia visto isso antes?), não foi a militância do PSDB apenas. Foi o mesmo povo pacífico e aguerrido que foi às ruas em junho de 2013 antes que os black bloc os expulsasse.

Difícil de entender?

O neto de Tancredo Neves entendeu o espírito das ruas e aceitou de peito aberto, mesmo sendo chamado subrepticiamente de bêbado e drogado por Dilma num debate, mesmo sendo caluniado por Lula como filhinho de papai que bate em mulher (no que foi desmentido), manteve a altivez e respondeu com a crítica política contundente, honesta e verdadeira.

Apesar disso tudo, o pai de família, cuja esposa Letícia reconhece nele um homem de caráter, assumiu a posição de libertador do Brasil, acima de partidos. Letícia buscou um marido cujo principal atributo é o caráter e, com ele teve gêmeos. E a Gabriela, filha de seu primeiro casamento, esteve ao seu lado nos momentos centrais da eleição.

Aécio sai da eleição sendo percebido como um estadista. De Lula e Dilma não se pode dizer o mesmo.

Terá sido gratuita a identificação de quase 50% dos eleitores com alguém com esse perfil?

O que esse povo todo que empunhou a bandeira da mudança e votou em Aécio e Marina pensa do Brasil governado há 12 anos pelo PT? O que desejamos para o futuro?

Um país no qual o(a) presidente(a) sabe o que se passa de baixo de suas barbas ou de suas saias e não finja que não sabe.

Um país cujo(a) presidente(a) não seja cúmplice da corrupção e não use o dinheiro público para comprar apoio político com vistas à perpetuação de seu partido no poder.

Um país no qual os detentores do poder não ameacem as liberdades individuais, das quais a mais cara é a liberdade de opinião contra o governo.

Um país no qual o governo não seja cúmplice de gente que viola a propriedade privada e ameaça a inviolabilidade do lar de quem constituiu família e tem direito ao teto pelo qual paga com o suor de seu trabalho e com a garantia dos seus impostos.

Um país no qual todos os partidos respeitem as leis, a ordem e a democracia.

Um país com Legislativo e Judiciário independentes.

Serviços públicos à altura dos impostos pagos por todos.

Políticos que não assaltem os cofres públicos e que gastem corretamente os impostos que pagamos.

Isso é pedir demais? Depois de tudo o que veio à tona será possível esperar isso do PT?

Os cidadãos brasileiros trabalham 8, 10, 12, 14, 16 horas por dia, 365 dias por ano para pagar impostos, sustentar famílias, gerar empregos e bancar seus sonhos e a ganância esperta daqueles que ocupam cargos públicos ou gravitam em torno do Estado para sugar-nos a riqueza que a sociedade produz.

São os impostos pagos por quem trabalha e empreende que pagam o Bolsa Família de milhões. Pagam os subsídios dos juros de milhões que estão adquirindo as suas casas e as suas dívidas no programa Minha Casa Minha Vida. Pagam, também, as bolsas do ProUni nas universidades privadas de outros milhões de irmãos. Pagam, pagam, pagamos...

Essas contas é justo pagar, desde que os beneficiários dessas políticas públicas saibam quem as paga. E são pagas; não são dadas, ao contrário do que sugere a propaganda de Dilma.

Quem paga essas contas todas, gostaria que o PT parasse de usar o dinheiro dos impostos de todos para financiar aventuras empresariais como as de Eike Batista, da Friboi e de outros grupos econômicos cuja pujança se deve apenas às amizades com o rei, a rainha, ou às supostas sociedades obscuras com príncipes e princesas, e cuja viabilidade econômica e retorno social se tornam, a cada dia, mais duvidosos.

Dilma, se conseguir, governará pelos próximos quatro anos.

Quase 50% dos brasileiros de todas as classes, regiões, cores, clubes de futebol, religiões, etnias, opções sexuais e ideologias, e que são tão brasileiros como os outros 50% que votaram em Dilma, gostariam de saber se o governo do PT pretende levar adiante as seguintes “políticas públicas”:

1 – Perseguição e tentativa de cerceamento à liberdade de expressão de veículos de imprensa que criticam seu governo;

2 – Interferência no Legislativo e Judiciário com vistas a eliminar a independência desses poderes e impor a vontade do partido à sociedade e às instituições;

3 – Recorrer a plebiscitos como forma de usar a opinião pública para cercear as liberdades democráticas e impor uma Reforma Polícia de viés autocrático visando a perpetuação do partido no poder;

4 - Continuidade da composição de base de sustentação parlamentar com métodos tais como os revelados pelo escândalo do mensalão e do petrolão;

5 – Impedir a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça de investigar se as denúncias da delação premiada de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef têm fundamento.

Que força tem o PT para avançar nessa direção? Quais são as circunstâncias dessa vitória?

Dilma, Lula e o PT, gastaram toda a munição que tinham, e mais a que não tinham, para vencer essa eleição. Lula excedeu-se tanto nos discursos e nas acusações vis que cometeu contra as candidaturas de Marina e Aécio, que conseguiu sair desse pleito menor do que era antes. Isto é, de ex-presidente voltou a ser um sindicalista de porta de fábrica.

Paira sob a cabeça do PT, a serem verdadeiros os depoimentos do doleiro Alberto Youssef de que há contas secretas desse partido no exterior, se respeitado o devido processo investigatório e judicial, e produzidas as provas, o risco de ser proscrito.

Paira sob a cabeça do PT o sério risco de que mais um de seus tesoureiros e outros de seus dirigentes venha a parar atrás das grades.

Paira sob a cabeça do ex-presidente Lula e da presidente Dilma o risco de que tenha seus sigilos bancários, fiscal e telefônico quebrados numa investigação em que foram necessariamente incluídos pelos operadores de um escândalo de corrupção capaz de manchar com a ilegitimidade as últimas eleições presidenciais que o PT venceu.

Em se comprovando essas denúncias, a proscrição do PT e um processo de impeachment contra a presidente recém-reeleita, não poderão ser tachados de golpe como já se pode antecipar que o PT dirá.

Avizinha-se uma crise política e institucional, de contornos graves, decorrente dos desdobramentos do escândalo da Petrobrás, num contexto em que o PT e o PMDB saem das urnas menores do que entraram, no qual se ampliou a fragmentação partidária e encareceu-se o preço dos apoios parlamentares. Igualmente, estando todas as grandes empreiteiras do país envolvidas no escândalo da Petrobrás, com seus executivos fechando acordos de delação premiada e revelando esquemas idênticos em todas as estatais, imagina-se que os dutos pelos quais escoa o dinheiro que amamenta a base alugada, vão secar até que novos esquemas sejam montados.

Pela classificação de Maquiavel, acima citado, Dilma comanda exércitos mistos. O Príncipe não é um clássico por acaso. Ao compreendê-lo pode-se antever o cenário à frente.

Avizinha-se uma crise econômica com o país mergulhando na recessão com inflação, gerida por uma presidente-economista que recém se elegeu afirmando que a solução não passa por mudanças profundas e sim, apenas, por pequenos ajustes. Se não fizer o que deve: crise econômica. Se fizer o que deve: crise de imagem decorrente da ruptura com o discurso eleitoral.

A percepção da sociedade é a de que nenhum partido a representa. A grande lição desse pleito reside na percepção de muitos de que, para remover um partido como o PT do poder dentro das regras da democracia, será preciso seguir em frente, nas ruas, pelo tempo que for necessário, para convencer mais brasileiros de que a permanência do petismo no poder é uma ameaça nefasta às liberdades, à democracia e à saúde da economia.

Não existe uma “Bolsa Liberdade” e nem uma “Bolsa Democracia” que o governo concede aos que nelas acreditam e delas necessitam como do ar que respiramos. Liberdade e democracia se conquistam e se garantem nas lutas políticas que constroem as nações. Nas ruas, também, e não apenas na tribuna do parlamento, nas páginas dos jornais e nas mídias digitais.

Sair das urnas pedindo conciliação ao mesmo tempo em que ressuscita a proposta bolivariana e golpista de reformar a Constituição pela via plebiscitária, como faz a presidente recém-reeleita, ou falando em avançar sobre a liberdade de imprensa como fez o presidente do PT, não é propor paz, é declarar guerra.


As atitudes do partido no poder é que definirão a forma como os cidadãos brasileiros, libertários, democratas, pacifistas e pagadores de impostos, reagirão ao governo. Para quem precisará prestar contas à investigação em curso sobre o assalto à Petrobrás, esse é um péssimo começo.

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