quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

RUM COM COCA COLA - RELATOS DE UMA VIAGEM À CUBA

Em 1924 Trotsky e Stalin divergiram sobre os destinos da revolução russa. Trotsky defendia a necessidade de implantar o socialismo em todo o mundo. Stalin defendia a viabilidade do socialismo num só país. A Rússia vivia as dificuldades dos primeiros anos da revolução. Para estimular a economia, Lenin defendeu “dar um passo atrás para, depois, dar dois passos à frente”. A Nova Política Econômica (NEP) restabeleceu a livre inciativa e a pequena propriedade para estimular o crescimento da economia para, depois, “avançar” com a estatização total.

Com o fim da URSS, que importava açúcar a preços superiores aos de mercado (hoje Cuba importa açúcar), os cubanos enfrentaram tempos difíceis. O regime rendeu-se à “NEP” de forma envergonhada. Por isso, a escassez reina. Charutos, rum e turismo é o que Cuba vende. E agora, acabou-se o petróleo venezuelano grátis. A esperança vem dos EUA.

O Estado emprega 7 milhões de “oficiales” num país de 11 milhões de habitantes. Mesmo nas empresas mistas (51% do governo e 49% do investidor), os funcionários são públicos. O salário, em pesos, dura uma semana para compras nos armazéns do Estado. Um cubano precisa de vinte e cinco pesos para comprar um CUC (peso conversível equivalente ao Euro). Os trabalhadores do tabaco recebem parte do salário em folhas de fumo. Fabricam charutos piratas para vender aos turistas alegando serem produto de cooperativas. Agricultores e pescadores desviam produtos para vender em CUCs no mercado paralelo.

Uma obra exequível em um ano de trabalho consome até cinco anos sob essas condições. Todos fazem corpo mole e precisam sair às ruas a partir das 14:00 para trabalhos autônomos pagos em CUCs, caso contrário falta o que comer. Quem não consegue passa fome e pede comida, roupas e sabonete aos turistas.

Os serviços aos turistas são os mais rentáveis. Ao sair dos hotéis você é abordado por pessoas que indicam restaurantes. Esse serviço é pago em comida pelos donos dos “paladares”; restaurantes familiares, antes clandestinos e agora legalizados. O nome tem origem numa novela, na qual o personagem de Regina Duarte tinha um restaurante chamado “Paladar”.

Os taxis são “ótimo” negócio. Há taxis “rentados” ao Estado e taxis privados. Quem arrenda o carro paga vinte e sete CUCs por dia ao governo. Mas, o governo proíbe o taxista privado de fazer ponto. Se for flagrado (há câmeras por toda Havana) “parqueado” em frente aos hotéis, o taxista paga quinhentos CUCs de multa. “- Esses caras dão um passo adiante e dois para trás”, ironizou nosso taxista, lembrando Lenin.

O governo cobra dez por cento ao ano de imposto desses capitalistas. Não há taxímetro ou caixa registradora nos restaurantes, pequenos mercados, bancas de artesanato ou salões de beleza. O leão socialista define uma média do que imagina ser o faturamento do pagador de impostos. Se for “subdeclarante” o empreendedor cubano conhecerá suas garras. Todos pagam um pouco mais do que a média oficial.

Não se veem cubanos obesos em Havana. O povo está acostumado a comer pouco e a passar muitas horas sem comer. Pagamos almoço a um taxista. Arroz, feijão, salada; peixe, frango ou porco e um refrigerante. Carne de vaca não há. Um legítimo PF por quinze CUCs. “– Com essa refeição posso passar três dias sem almoçar”, disse ele.

Nos resorts de Varadero há cubanos “bem nutridos”. Os funcionários fazem as refeições nos hotéis. Maquiagem, roupas e calçados de melhor qualidade doados pelos turistas, fazem a diferença visual entre cubanos de Havana e Varadero. Cubanos de Havana não podem se mudar para Varadero para comer e vestir melhor. O governo não deixa. Somente moradores próximos podem trabalhar nos hotéis.

O povo cubano vive amontoado em casas em decomposição. Três gerações sob o mesmo teto. Caminhões pipa abastecem suas caixas d´água. Água também é produto escasso. Os taxis são inacessíveis para quem não ganha em CUCs. Os cubanos vivem na rua e nas praças e só vão para casa dormir. Caminham muito pela cidade pois o transporte coletivo é precário, escasso e lotado. Em Havana são ônibus velhos. Fora de Havana o transporte faz-se em caçambas de caminhões com bancos de madeira e cobertos com lona.

E a saúde? Em poucas palavras um taxista descreveu-nos o SUS. Sim, o que se alardeia como maravilha são serviços padrão SUS. Saúde preventiva em condições precárias e poucos hospitais com alguns equipamentos de diagnóstico (tecnologicamente superados). E muita propaganda. Um cubano pode levar meses na fila por um exame nesses equipamentos. A menos que se torne “cliente privado” de um médico pago em CUCs, que, dará um “jeito” de furar a fila.

Um dos nossos taxistas pegou em armas na revolução. Tem mais de setenta anos. Ganha mais como taxista do que ganhava como engenheiro. Dirige um carro com mais de sessenta anos de rodagem com pneus novos presenteados por um turista europeu. Levou-nos a Miramar. O bairro das mansões que lembram a Miami dos anos 1950. Todas essas mansões são embaixadas? “- Não. Aqui vivem os nossos governantes. - Logo adiante é o ‘Reparto Zero’, onde vivem Fidel e seus familiares.” Podemos ver? “- Não! Zona proibida. Inclusive, desde aqui onde estamos você vai preso se fotografar. – Veja as placas.”

Não obstante, ouve-se de cubanos de diferentes quadrantes da ilha: - “Não temos mais problemas políticos, nossos problemas são econômicos”. Repetem o jargão da retórica oficial, alegando que não há mais conflitos internacionais em função da oposição ao regime, apenas as consequências do embargo.

Mas, o anseio por liberdade e a esperança no fim do embargo revela-se sempre, de forma mais ou menos explícita nas falas e olhares dos cubanos. Cuba é um mar de oportunidades. Temo que a prosperidade, quando jorrarem os dólares, seja percebida como obra dos Castro. E, que “Cuba Libre” continue sendo apenas “rum com Coca Cola”.