“Digo, portanto, que as armas com que um príncipe defende seu estado ou
são próprias, ou mercenárias ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e
auxiliares são inúteis e perigosas. Quem tem o seu estado baseado em armas mercenárias
jamais estará seguro e tranquilo, porque elas são desunidas, ambiciosas,
indisciplinadas, infiéis, valentes entre amigos e covardes entre inimigos, sem
temor a Deus nem probidade para com os homens. O príncipe apenas terá adiada a
sua derrota pelo tempo que for adiado o ataque, sendo espoliado por eles na paz
e pelos inimigos na guerra.”
Nicolau Maquiavel – O Príncipe, Florença, 1513.
Fecharam-se as urnas. O PT venceu.
Na democracia, cabe aos derrotados reconhecer a derrota, ainda que duvidando que,
se o resultado fosse inverso, a atitude do outro lado seria a mesma.
Aécio o fez. Saiu das urnas maior
do que entrou. Superou os limites do marketing que se rende às médias das pesquisas.
Rompeu os limites da mediocridade da política tradicional. Entendeu e conectou-se com a alma da Nação que carregou-o nos braços no
chão da rua, fora dos palanques tradicionais em mais de uma ocasião. Traduziu
essa compreensão no discurso da libertação do Brasil e tocou o coração das
forças vivas da Nação. Teve a grandeza de sugerir à presidenta reeleita o gesto
da conciliação, não obstante ter sido vítima das mais baixas vilezas de que se
tem conhecimento em eleições presidenciais no Brasil. Talvez pudesse ser mais
contundente na afirmação de linha de oposição que liderará, mas terá
oportunidade de fazê-lo com atitudes.
Marina Silva, premonitória, disse,
após ser expulsa do segundo turno pelos ataques vis do PT e declarar apoio à
mudança: “- Eu prefiro perder ganhando a ganhar perdendo”.
Quem ganhou e quem perdeu?
O desafio da análise política é
entender o significado do resultado de uma eleição, sabendo que o leitor busca o
porto seguro da antecipação do futuro.
Não há porto seguro; não há zona
de conforto. A política é o reino da mutação. A vitória de hoje pode ser a
derrota de amanhã. E vice e versa.
Entendamos, então, o que Dilma
ganhou.
Em primeiro lugar, Dilma herda de
si mesma uma Nação em frangalhos.
Inflação acima do teto da meta;
recessão; crise fiscal, crise nas contas externas, alto endividamento público,
represamento artificial de preços controlados, perda de credibilidade perante o
mercado e investidores, máquina pública inchada e cara, queda de arrecadação de
impostos, estatais quebradas, isolamento perante as forças vivas da Nação e um
clima político intoxicado pelos ataques abaixo da linha da cintura praticados
pelos petistas, por Dilma e por Lula.
Os mais magoados são os eleitores
de Marina e Aécio, que saem das urnas desconfiando de fraude, falando em
impeachment, dispostos a seguir na ruas e esperando dos tucanos uma oposição
firme, à altura do tom que Aécio imprimiu aos debates.
Em segundo lugar, Dilma
derrotou(?) nas urnas a metade do país que é mais importante pela qualidade do
que pela quantidade. Quem gerou a votação de Aécio não foi nenhuma sigla formal;
foi o maior partido do Brasil hoje, o antipetismo. Um partido informal que não
existiria não fosse a existência do petismo. Por que será? Gente sem
envolvimento com política se expôs nas ruas e nas redes sociais aos milhões. A
ânsia por liberdade segue viva, mobilizada e mais indignada que durante a
campanha.
Quem carregou Aécio nos ombros em
Copacabana, saiu em passeata no Largo da Batata e na Faria Lima, no centro e no
Parque Moinhos de Vento em Porto Alegre, no centro de Recife e em outras metrópoles
do Brasil; quem gritou 1,2,3 Lula no xadrez na em frente ao MASP dia 25/10 e
foi às ruas em passeatas em véspera de eleição (alguém já havia visto isso
antes?), não foi a militância do PSDB apenas. Foi o mesmo povo pacífico e
aguerrido que foi às ruas em junho de 2013 antes que os black bloc os
expulsasse.
Difícil de entender?
O neto de Tancredo Neves entendeu
o espírito das ruas e aceitou de peito aberto, mesmo sendo chamado
subrepticiamente de bêbado e drogado por Dilma num debate, mesmo sendo caluniado
por Lula como filhinho de papai que bate em mulher (no que foi desmentido), manteve
a altivez e respondeu com a crítica política contundente, honesta e verdadeira.
Apesar disso tudo, o pai de
família, cuja esposa Letícia reconhece nele um homem de caráter, assumiu a
posição de libertador do Brasil, acima de partidos. Letícia buscou um marido
cujo principal atributo é o caráter e, com ele teve gêmeos. E a Gabriela, filha
de seu primeiro casamento, esteve ao seu lado nos momentos centrais da eleição.
Aécio sai da eleição sendo
percebido como um estadista. De Lula e Dilma não se pode dizer o mesmo.
Terá sido gratuita a
identificação de quase 50% dos eleitores com alguém com esse perfil?
O que esse povo todo que empunhou
a bandeira da mudança e votou em Aécio e Marina pensa do Brasil governado há 12
anos pelo PT? O que desejamos para o futuro?
Um país no qual o(a)
presidente(a) sabe o que se passa de baixo de suas barbas ou de suas saias e
não finja que não sabe.
Um país cujo(a) presidente(a) não
seja cúmplice da corrupção e não use o dinheiro público para comprar apoio
político com vistas à perpetuação de seu partido no poder.
Um país no qual os detentores do
poder não ameacem as liberdades individuais, das quais a mais cara é a liberdade
de opinião contra o governo.
Um país no qual o governo não
seja cúmplice de gente que viola a propriedade privada e ameaça a
inviolabilidade do lar de quem constituiu família e tem direito ao teto pelo
qual paga com o suor de seu trabalho e com a garantia dos seus impostos.
Um país no qual todos os partidos
respeitem as leis, a ordem e a democracia.
Um país com Legislativo e
Judiciário independentes.
Serviços públicos à altura dos
impostos pagos por todos.
Políticos que não assaltem os
cofres públicos e que gastem corretamente os impostos que pagamos.
Isso é pedir demais? Depois de
tudo o que veio à tona será possível esperar isso do PT?
Os cidadãos brasileiros trabalham
8, 10, 12, 14, 16 horas por dia, 365 dias por ano para pagar impostos,
sustentar famílias, gerar empregos e bancar seus sonhos e a ganância esperta daqueles que ocupam cargos públicos ou gravitam em torno do Estado para sugar-nos a
riqueza que a sociedade produz.
São os impostos pagos por quem trabalha
e empreende que pagam o Bolsa Família de milhões. Pagam os subsídios dos juros
de milhões que estão adquirindo as suas casas e as suas dívidas no programa Minha
Casa Minha Vida. Pagam, também, as bolsas do ProUni nas universidades privadas
de outros milhões de irmãos. Pagam, pagam, pagamos...
Essas contas é justo pagar, desde
que os beneficiários dessas políticas públicas saibam quem as paga. E são
pagas; não são dadas, ao contrário do que sugere a propaganda de Dilma.
Quem paga essas contas todas,
gostaria que o PT parasse de usar o dinheiro dos impostos de todos para
financiar aventuras empresariais como as de Eike Batista, da Friboi e de outros
grupos econômicos cuja pujança se deve apenas às amizades com o rei, a rainha,
ou às supostas sociedades obscuras com príncipes e princesas, e cuja
viabilidade econômica e retorno social se tornam, a cada dia, mais duvidosos.
Dilma, se conseguir, governará
pelos próximos quatro anos.
Quase 50% dos brasileiros de
todas as classes, regiões, cores, clubes de futebol, religiões, etnias, opções
sexuais e ideologias, e que são tão brasileiros como os outros 50% que votaram em
Dilma, gostariam de saber se o governo do PT pretende levar adiante as
seguintes “políticas públicas”:
1 – Perseguição e tentativa de
cerceamento à liberdade de expressão de veículos de imprensa que criticam seu
governo;
2 – Interferência no Legislativo e
Judiciário com vistas a eliminar a independência desses poderes e impor a
vontade do partido à sociedade e às instituições;
3 – Recorrer a plebiscitos como
forma de usar a opinião pública para cercear as liberdades democráticas e impor
uma Reforma Polícia de viés autocrático visando a perpetuação do partido no
poder;
4 - Continuidade da composição de
base de sustentação parlamentar com métodos tais como os revelados pelo
escândalo do mensalão e do petrolão;
5 – Impedir a Polícia Federal, o
Ministério Público e a Justiça de investigar se as denúncias da delação
premiada de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef têm fundamento.
Que força tem o PT para avançar
nessa direção? Quais são as circunstâncias dessa vitória?
Dilma, Lula e o PT, gastaram toda
a munição que tinham, e mais a que não tinham, para vencer essa eleição. Lula
excedeu-se tanto nos discursos e nas acusações vis que cometeu contra as
candidaturas de Marina e Aécio, que conseguiu sair desse pleito menor do que era
antes. Isto é, de ex-presidente voltou a ser um sindicalista de porta de
fábrica.
Paira sob a cabeça do PT, a serem
verdadeiros os depoimentos do doleiro Alberto Youssef de que há contas secretas
desse partido no exterior, se respeitado o devido processo investigatório e
judicial, e produzidas as provas, o risco de ser proscrito.
Paira sob a cabeça do PT o sério
risco de que mais um de seus tesoureiros e outros de seus dirigentes venha a
parar atrás das grades.
Paira sob a cabeça do ex-presidente
Lula e da presidente Dilma o risco de que tenha seus sigilos bancários, fiscal
e telefônico quebrados numa investigação em que foram necessariamente incluídos
pelos operadores de um escândalo de corrupção capaz de manchar com a
ilegitimidade as últimas eleições presidenciais que o PT venceu.
Em se comprovando essas
denúncias, a proscrição do PT e um processo de impeachment contra a presidente recém-reeleita,
não poderão ser tachados de golpe como já se pode antecipar que o PT dirá.
Avizinha-se uma crise política e
institucional, de contornos graves, decorrente dos desdobramentos do escândalo
da Petrobrás, num contexto em que o PT e o PMDB saem das urnas menores do que
entraram, no qual se ampliou a fragmentação partidária e encareceu-se o preço dos
apoios parlamentares. Igualmente, estando todas as grandes empreiteiras do país
envolvidas no escândalo da Petrobrás, com seus executivos fechando acordos de
delação premiada e revelando esquemas idênticos em todas as estatais,
imagina-se que os dutos pelos quais escoa o dinheiro que amamenta a base
alugada, vão secar até que novos esquemas sejam montados.
Pela classificação de Maquiavel,
acima citado, Dilma comanda exércitos mistos. O Príncipe não é um clássico por
acaso. Ao compreendê-lo pode-se antever o cenário à frente.
Avizinha-se uma crise econômica
com o país mergulhando na recessão com inflação, gerida por uma
presidente-economista que recém se elegeu afirmando que a solução não passa por
mudanças profundas e sim, apenas, por pequenos ajustes. Se não fizer o que
deve: crise econômica. Se fizer o que deve: crise de imagem decorrente da
ruptura com o discurso eleitoral.
A percepção da sociedade é a de
que nenhum partido a representa. A grande lição desse pleito reside na
percepção de muitos de que, para remover um partido como o PT do poder dentro
das regras da democracia, será preciso seguir em frente, nas ruas, pelo tempo que
for necessário, para convencer mais brasileiros de que a permanência do petismo
no poder é uma ameaça nefasta às liberdades, à democracia e à saúde da economia.
Não existe uma “Bolsa Liberdade”
e nem uma “Bolsa Democracia” que o governo concede aos que nelas acreditam e delas
necessitam como do ar que respiramos. Liberdade e democracia se conquistam e se
garantem nas lutas políticas que constroem as nações. Nas ruas, também, e não
apenas na tribuna do parlamento, nas páginas dos jornais e nas mídias digitais.
Sair das urnas pedindo
conciliação ao mesmo tempo em que ressuscita a proposta bolivariana e golpista de
reformar a Constituição pela via plebiscitária, como faz a presidente recém-reeleita,
ou falando em avançar sobre a liberdade de imprensa como fez o presidente do
PT, não é propor paz, é declarar guerra.
As atitudes do partido no poder é que definirão a forma como os
cidadãos brasileiros, libertários, democratas, pacifistas e pagadores de
impostos, reagirão ao governo. Para quem precisará prestar contas à
investigação em curso sobre o assalto à Petrobrás, esse é um péssimo começo.