Impera na cobertura da imprensa sobre a crise evolvendo as relações entre a presidente e sua base aliada, a visão de que Dilma Rousseff estaria tentando mudar o paradigma que orienta a composição da base governamental institucionalizada pelos presidentes do ciclo democrático, exceto Collor.
A base da coalização governista ancora-se nas transações do tipo “toma-lá-dá-cá”, segundo a lógica franciscana do “é-dando-que-se-recebe”, gravada na lápide do governo Sarney pelo então deputado Roberto Cardoso, um dos líderes do chamado “centrão”, que constituiu sua gelatinosa base parlamentar.
O ex-presidente Lula teria levado ao extremo a aplicação dessa lógica, após o susto do mensalão e o risco de impeachment pelo qual passou. A presidente Dilma, ao mudar nomes em seu ministério e nas suas lideranças no Congresso, então, estaria tentando implementar padrões éticos e programáticos como critérios de composição de sua base parlamentar, segundo a visão propalada por articulistas da imprensa.
Doce e ingênua ilusão.
Se Dilma e o PT quisessem mesmo mudar essa lógica, seu projeto de reforma política teria que conter propostas como a do fim das coligações proporcionais; cláusula de desempenho; fim das emendas parlamentares individuais, dentre outras. Mas, qual a proposta central do PT para a reforma política? Voto em lista fechada, que só beneficia o PT, que tem a “marca” mais forte perante o eleitorado; e financiamento público de campanha, que destina mais dinheiro público para os maiores partidos, que também favorece o PT no contexto atual de seu crescimento.
O jogo que, de fato, está sendo disputado por detrás dessa crise, portanto, está relacionado com a correlação de forças entre o PT e os demais partidos após 2014. As pistas para quem quer ver estão nas manchetes dessa mesma imprensa, embora nenhum analista as tenha agregado para fechar o quebra-cabeça.
A imprensa afirma que Dilma desistiu da reforma ministerial. Dilma fez a reforma ministerial! Trocou inúmeros ministros de uma forma que os substitutos ficaram constrangidos para manter as práticas institucionalizadas de financiamento dos partidos através de desvio de verbas públicas via licitações.
E Palocci? Palocci foi parte do preço. Dos 37 ministérios desse governo, 28 são políticos. Desses, 18 estão na mão do PT, cuja bancada no Congresso se equivale em tamanho à do PMDB. Embora o PMDB tenha bases das prefeituras bem mais amplas que o PT. Chegamos ao ponto.
As eleições municipais projetam o tamanho das bancadas e as perspectivas de vitória nas eleições para governador no pleito seguinte. Vereadores e prefeitos são as raízes dos partidos na sociedade, pois tem o vínculo mais próximo dos cidadãos. Quanto mais prefeitos e vereadores nessa eleição, mas deputados os partidos fazem na eleição seguinte; mais perto ficam de eleger governadores, e mais fortes ficam na barganha do poder com os governadores e em Brasília.
A forma como foram derrubados os ministros de Dilma, exceto Nelson Jobim, forçou um “fechamento” de torneiras nos ministérios sob nova direção. Levará tempo até que novos esquemas sejam formados. Exceto os esquemas do PT, que controla o governo com um todo, todos saíram perdendo. Está nas manchetes da semana que passou: “Governo privilegia PT na distribuição de verbas federais.”
E, também está nas manchetes que a CUT está abrindo campanha nacional na mídia pela extinção do imposto sindical. Quem tem a perder com isso? As outras centrais sindicais. Há anos os sindicatos da CUT vêm criando alternativas de financiamento via desconto em folha aprovado em assembleias. Além disso, tendo o governo federal na mão, a CUT garante outras formas de acesso a verbas públicas. A lógica é secar a fonte dos “aliados”. Não por acaso, o deputado Paulinho, líder da Força Sindical, já se alinhou com Serra em SP.
Lembremos: há poucas semanas Gilberto Carvalho protagonizou uma crise com as igrejas evangélicas ao afirmar que o PT deveria disputar a influência ideológica sobre a nova classe média com essas igrejas. Em seguida José Dirceu deu declarações afirmando que o PT deveria ampliar sua penetração nas prefeituras, o que, diga-se de passagem, tende a ocorrer sobre prefeituras do PMDB.
Uma varredura pelo noticiário revelará o PT brigando com as igrejas (aborto e outros temas controversos); com a mídia (novo marco regulatório e “controle social da informação”); com o Judiciário (não por acaso às vésperas do julgamento do mensalão); e com o Congresso (litígio com a base aliada constrangida por denúncias de corrupção).
A reação da base aliada, portanto, é de quem parece ter acordado para o fato de que o PT pode sair das urnas de 2012 maior que o PMDB. E isso muda tudo em Brasília daí para frente, se esse cenário se confirmar. Os aliados esperneiam, resistem, mas, a menos que a economia sofra algum abalo que imponha perdas ao povo, alterando a percepção positiva que as pessoas tem do governo Dilma, talvez já seja tarde demais.
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