O noticiário de ontem trouxe à tona um fato inusitado na cena política nacional na era Lula/Dilma. Pela primeira vez depois de muitos anos viu-se a presidente recebendo uma vaia. O motivo da vaia? A contrariedade de uma parte expressiva do plenário do evento, composto por milhares de prefeitos de todo o Brasil, com a correta afirmação de Dilma sobre a distribuição dos royalties do petróleo. Para desagrado dos que a apuparam, a presidente afirmou que não serão rompidos os contratos de distribuição de royalties sobre o passado, e que os prefeitos deveriam focar sua luta na distribuição da riqueza proveniente da exploração do petróleo a ser extraído no futuro.
Estamos, também, vivendo o clima pré-eleitoral de 2012, no qual a guerra de posições entre os partidos da base aliada do governo federal provoca atritos nas disputas locais cujos resultados influenciarão a composição das bancadas do Congresso Nacional em 2014. Há uma guerra surda sendo travada entre PT e PMDB, e entre o PT e PC do B, PSB e PDT, que também poderia explicar a vaia de alguns prefeitos.
De qualquer forma, o fato não deixa de ser inusitado e suscita a dúvida: haveria outros motivos para o “atrevimento” dos prefeitos? O clima político estaria mudando?
Talvez sim. Tenho dito, e não sou o único, que o único fator capaz de abalar o favoritismo da presidente
Dilma na disputa por sua reeleição seria algum abalo na economia capaz de produzir perdas sentidas no bolso do trabalhador ao longo de um período contínuo de tempo, a ponto de alterar o otimismo que contagiou os brasileiros desde o segundo mandato do presidente Lula até os dias de hoje.
Dilma na disputa por sua reeleição seria algum abalo na economia capaz de produzir perdas sentidas no bolso do trabalhador ao longo de um período contínuo de tempo, a ponto de alterar o otimismo que contagiou os brasileiros desde o segundo mandato do presidente Lula até os dias de hoje.
O risco de que isso esteja acontecendo é real. Que fatores sugerem essa possibilidade?
1 – O Real já sofreu uma desvalorização de cerca de 10%, decorrente de medidas que o governo tomou, acrescidas das consequências da crise grega sobre a valorização do Dólar no mercado internacional.
2 – Decorrência direta disso, a inflação recrudesceu. Numa economia globalizada, praticamente inexistem produtos ou serviços que não sofram impacto da valorização do Dólar sobre a cadeia de custos no mercado. Nesse contexto, recém teve início o processo de realinhamento de preços que os agentes econômicos se veem obrigados a praticar para fugir das perdas recompondo suas margens de lucro. A lógica é de que os preços sigam subindo antes de se acomodar em novo patamar. Isso, supondo que a desvalorização do Real estancou.
3 – O nível de endividamento dos brasileiros, evidenciado pelos altos índices de inadimplência e pela dificuldade que Dilma encontra para forçar o povo a se endividar mais para consumir e com isso fazer girar a roda da economia num novo ciclo virtuoso (tal como Lula conseguiu em outro momento e sob outras circunstâncias), sugere pouca disposição popular de aceitar o convite ao risco.
4 - O agravamento do impasse político na Grécia e a eleição de governos na Europa que cedem às pressões populares contra a austeridade fiscal como receita para saída da crise, num contexto de alto endividamento e déficit público dos governos. A crise grega lança um mar de incerteza sobre a viabilidade da saída sem dor, cujo resultado pode ser a quebradeira de bancos europeus (e outros), e o aprofundamento da recessão no velho continente e seu virtual contágio além-fronteiras da Eurolândia.
A cortina de fumaça que o competente marketing do governo petista lança sobre a tela através da qual o povo vê país presente e suas perspectivas de futuro, não permite ao cidadão comum perceber que Dilma e sua equipe econômica estão, há meses, e até o momento aparentemente sem sucesso, travando uma queda de braço ferrenha para reverter a tendência contínua de desaquecimento da economia que as estatísticas apontam mês a mês.
Observe-se que não se está falando de recessão no Brasil (ainda), mas sim, de desaquecimento econômico. E, também, registra-se uma desvalorização (até o momento), de cerca de 10% do Real num contexto de resistência do consumidor a expandir seu endividamento com mais consumo.
Essas observações se fazem necessárias para a devida calibragem do medidor do estado de humor da população em relação ao governo, cuja tendência poderia, no médio prazo, afetar a popularidade da presidente mudando o viés da conjuntura e o comportamento dos agentes políticos.
O termo de comparação possível é a desvalorização de 40% do Real, que no início de 1999, quando o então presidente reeleito em primeiro turno com 54% dos votos válidos se viu obrigado a liberar o câmbio para inverter o fluxo de dólares e a posição dos pratos da balança de pagamentos que levava, à época, o Brasil a “gastar mais do que ganhava” na sua relação com o mercado internacional.
A incontornável perda abrupta do poder de compra do trabalhador nessa proporção derrubou irrecuperavelmente a popularidade, então estratosférica, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pavimentando a estrada que desembocaria na eleição de Lula em 2002.
O fenômeno em curso apresenta diferenças em momento, circunstâncias e proporções. Ainda é cedo para saber se Dilma conseguirá compensar essa perda do poder de compra do Real com a guerra que trava pela queda dos juros. Consumidores e banqueiros resistem juntos. Os petistas são, também, infinitamente mais competentes no marketing e na política do que são seus adversários.
Mas, não custa lembrar, que Lula e o PT também erram. Ainda é cedo, também, para saber no que vai dar a CPI do Cachoeira/Delta. No entanto, a julgar pelo andar da carruagem, tem-se a impressão de que Lula e o PT erraram ao estimular essa iniciativa. E, se essa avaliação está correta, essa CPI, concomitante ao julgamento do mensalão, pode agregar um complicador adicional às dificuldades da presidente Dilma para contornar as adversidades que o cenário econômico lhe impõe.
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