Sob o ponto de vista da Ciência Política a penetração na
classe média e o crescimento eleitoral nos grandes centros urbanos são dois dos
principais indicadores sobre a tendência ao crescimento ou decrescimento dos
partidos. Para que se considere um partido em ascensão ou decadência é preciso
que esses indicadores se confirmem numa série de eleições.
A trajetória do PT é exemplo emblemático de um partido que
cresceu comprovando essa tese. A legenda de Lula tem origem em três pilares: 1
- os sindicatos; 2 - as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, sob a
inspiração da Teologia da Libertação, e, 3 – as organizações de esquerda,
remanescentes do fracasso da luta armada contra o regime militar de 1964.
Nesse terceiro segmento é que se encontra a classe média
urbana (estudantes, intelectuais, artistas, jornalistas e outros setores
sociais) que possibilitaram ao PT fincar raízes nesse segmento estratégico para
seu crescimento eleitoral. As universidades foram o viveiro que abasteceu o PT de
profissionais com formação técnica e intelectual, que hoje ocupam os milhares
de cargos intermediários da máquina pública nos setores do Estado brasileiro
que partido controla.
Porto Alegre é um marco icônico desse processo de penetração
política do petismo na sociedade. O PT chegou a governar a cidade por 16 anos
seguidos e, em 2010, chegou ao governo do estado pela segunda vez. O governo de
Olívio Dutra, conduzido por diretrizes de esquerda, anteriores à guinada ao
centro, patrocinada por Lula, marca o início da decadência do petismo na
capital gaúcha. A vitória eleitoral de Tarso Genro é um ponto fora da curva de
decrescimento eleitoral do PT em Porto Alegre. Villa poderá passar para a
história como o primeiro candidato petista a ficar fora do segundo turno em
Porto Alegre.
Parte do sucesso eleitoral do petismo se explica pelo
marketing que fazia de si mesmo. Prova disso é o recall da marca PT. Dentre
todas as legendas, a do PT é disparado, a mais lembrada. Por essa razão é que
os petistas queriam aprovar o voto em lista e o financiamento público
eleitoral. O voto na legenda, e não nos candidatos como é hoje, alavancaria o
crescimento do PT. E, como a distribuição do dinheiro público para as campanhas
seria proporcional ao tamanho das bancadas, desnecessário dizer quem se
beneficiaria com a mudança da regra vigente. Os aliados perceberam e barraram a
manobra.
No entanto, tal como ocorreu com o governo de Olívio Dutra no
RS, a chegada do PT ao governo federal parece cobrar seu preço do partido de
Lula. As razões que explicam a possível decadência do petismo no país são
distintas daquelas que abateram o PT de Porto Alegre. Mas, o esboço da
tendência é o mesmo. Olívio embretou-se à esquerda e isolou-se socialmente.
Lula fez o movimento oposto na sua insaciável fome por poder. E, já dizia
Maquiavel, o excesso de poder é o prenúncio da perda do poder.
Até a chegada à Presidência da República o conteúdo da “marca
PT” era prenhe de atributos positivos. O PT apresentava-se como monopolista das
virtudes da luta pela justiça social e como se fosse a única virgem no cabaré
da política. A madre superiora, guardiã da moral e da pureza, policial e
censora da corrupção dos outros. Isso até a adoção da política econômica
ortodoxa da era Palocci no Ministério da Fazenda, seguida da eclosão do
escândalo do mensalão. Desde então, novos atributos vem sendo associados à
estrela.
O povo é hipócrita. Com dinheiro no bolso comporta-se com pai
de filho drogado. Finge que não vê a corrupção dos governantes. Para construir
o cenário econômico positivo dos anos seguintes, Palocci machucou o bolso do
povo. Nesse contexto, o escândalo do mensalão levou os índices de aprovação de
Lula no Datafolha a 27% em dezembro de 2005, auge dos petardos disparados por
Roberto Jefferson contra José Dirceu. A euforia econômica dos anos seguintes
anestesiou a memória seletiva dos eleitores que reelegeram Lula, e depois
elegeram Dilma com o PIB chegando a crescer 7,5% no ano eleitoral de 2010.
Desde seu segundo mandato Lula vinha abandonando,
gradativamente, as diretrizes “neoliberais” que nortearam o Plano Real e a Lei
da Responsabilidade Fiscal. A eleição de Dilma, com Mantega no Ministério da
Fazenda e Tombini no BC, marcou a adoção clara das concepções petistas sobre a
gestão da economia.
Ao que tudo indica, postas em execução, as ideias de Mantega encontraram
seus limites e estão derretendo. Dilma flerta com a irresponsabilidade na
tentativa sôfrega de estimular o consumo num contexto em que os consumidores
estão endividados até o nariz; em que o governo não tem dinheiro para investir
em infraestrutura como seria necessário, e em que investidores privados
resistem à insegurança de se associarem ao Estado em parcerias público-privadas
nas quais o governo petista é sócio incômodo. E, justamente agora, o julgamento
do mensalão invade a cena política em pleno ano eleitoral.
O único indicador a sugerir que o mensalão está afetando o
desempenho dos petistas nas grandes cidades veio de São Paulo, onde Serra associou
o candidato de Lula ao escândalo e abriu 6 pontos percentuais de vantagem sobre
Haddad. O petista arrisca ficar fora do segundo pela primeira vez em anos, como
seu parceiro de Porto Alegre. Não seria imprudência analítica supor que há sim
impacto eleitoral negativo para o PT em função da vitrine diária do julgamento
do mensalão na mídia, com condenação de José Dirceu. Genoíno e Delúbio prevista
para a véspera do primeiro turno.
No momento em que o PT vai completando dez anos no governo
federal, com sua política econômica em estado de observação em pleno julgamento
do mensalão, talvez os fatores conjunturais expliquem o insucesso do PT na
maioria das principais cidades do país. O PT sairá das urnas com mais prefeitos
e vereadores, mas ficará com uma cicatriz na face, a se confirmar a hipótese de
que alguns de seus principais líderes venham a passar uma temporada no
xilindró. E seu crescimento se dá no interior, em cidades de menor porte. O
arranhão na imagem é, justamente, perante a classe média dos grandes centros
urbanos.
O governo projeta crescimento de 4% do PIB para 2013 e, se
essa projeção otimista se confirmar também para 2014, Dilma tende a preservar
condições de se reeleger. No entanto, há na praça análises sérias projetando
estouro da bolha de crédito que Dilma segue insuflando. Além disso, os aliados
antigos e novos começam a ensaiar projetos próprios num contexto em que
percebem que quem transferiu votos para Dilma em 2010 foi o PIB de 7,5% e não
Lula, cuja energia vital ficou abalada pelo câncer, e cuja imagem poderá
receber estilhaços do mensalão.
Nessa encruzilhada da conjuntura é que se confirmará, ou não,
se o PT encontrou o destino dos partidos que entram em decadência após
trajetória meteórica rumo ao poder. Não há mal que sempre dure.
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