As pesquisas possuem grande poder de prognosticar tendências da
opinião eleitoral. São pesquisas não publicadas que orientam as estratégias que
vencem eleições. No entanto, as pesquisas publicadas têm limites raramente
compreendidos pelos leigos e mesmo pelos jornalistas que às comentam.
Nessa eleição a diferença entre o que as pesquisas diziam ao final
do primeiro turno e o que as urnas revelaram levou os institutos ao descrédito
e minimizou o poder do efeito “bandwagon” (onda de adesão ao líder nas
pesquisas) no segundo turno. O eleitor brasileiro parece ter desprezado as
pesquisas para decidir em quem votar.
Segundo Bourdieu, em artigo dos anos 1970 (“A opinião pública não
existe”), opinião é um discurso articulado impossível de ser traduzido em percentuais.
Diz ele, que nem todas as opiniões se equivalem e nem todo mundo tem opinião
sobre o que perguntam as enquetes que convertem respostas em percentuais. Igualmente, não existe um consenso pré-estabelecido
sobre os problemas que deveriam ser objeto das pesquisas. Ou seja, por trás de
quem encomenda a pesquisa e decide o que perguntar há o interesse de
influenciar quem lê a pesquisa publicada, mesmo quando o rigor metodológico é
obedecido na coleta e análise dos dados. A manipulação não estaria no rigor do
método, mas nesses pressupostos falsos sobre os quais se constroem as pesquisas
publicadas.
Pesquisas publicadas são cortes verticais na massa de opiniões, no
curto espaço de tempo em que os pesquisadores vão a campo. Numa eleição as
opiniões estão em movimento, sob influência da disputa entre grupos organizados
pela conquista dos indefinidos. Hoje, a opinião é tão arisca quanto o click do
mouse que nos conduz a outra página na rede.
As opiniões se formam em círculos de convivência e obedecendo a
uma lógica que não encontra em índices estatísticos a forma adequada de
representação. Os trackings (monitoramento quantitativo diário) e as pesquisas
qualitativas (grupos de eleitores que assistem a propaganda e os debates quando
estão no ar, observados por analistas) são os instrumentos que os estrategistas
usam para ler essas percepções e calibrar a propaganda para captar votos.
Numa eleição “empatada”, se um fato político (denúncia, escândalo,
falha em debate) ocorre muito próximo à coleta de dados, provocando mudanças bruscas
das opiniões individuais, dificilmente a pesquisa publicada captará essa alteração.
Isso não significa que o instituto errou ao divulgar os índices sobre aquelas
perguntas, no momento em que perguntadas. Significa apenas que a pesquisa
publicada não capta a mudança brusca.
A situação na qual se constitui a opinião na reta final de um
segundo turno em que poucos eleitores indefinidos podem se decidir com base em
quaisquer fatores é o inferno dos institutos. As pessoas estão diante de
opiniões sustentadas por grupos. Ao se posicionarem estão escolhendo entre
grupos, num contexto de disputa de poder e correspondendo a um determinado
estado da correlação de forças entre posições em guerra. Quem mantêm distância
relativa dos polos que se opõem nesse conflito, os famosos “indecisos”, decide
em função da pressão dessas forças constituídas.
As estratégias das campanhas consistem da construção de respostas
para demandas comuns dos eleitores. Como essas demandas são as mesmas e as
pesquisas encomendadas pelos candidatos mostram isso para todos, impõe-se uma
equalização das estratégias que passam a jogar ao máximo com a dissimulação das
clivagens para ganhar os votos flutuantes.
Nesse contexto as pesquisas publicadas adquirem relevância extrema
para a “fabricação” da opinião pública. A publicação dos resultados de pesquisas
prejudica uns e favorece outros. Por isso, criam-se jogos retóricos com a
finalidade de usar os resultados para influenciar a interpretação que as pessoas
fazem das pesquisas publicadas. E dê-lhe compartilhamentos dos resultados e
interpretações que “me favorecem”.
Javier Del Rey Morató mapeou alguns desses artifícios que ele
chama de “jogos do termômetro social”. Hoje, diz ele, a difusão desses jogos
ocorre sem restrições, e, muitas vezes, seus porta-vozes são analistas a
serviço de candidatos. Agentes interessados patrocinam pesquisas e disputam a
imposição de versões interpretativas dessas pesquisas. Essas pesquisas estruturam
a guerra de versões e desenham o cenário em que vão se desenvolver os jogos de
linguagem.
Os jogos retóricos pela imposição de versões sobre as pesquisas buscam
definir um cenário que se abre com o jogo de prognóstico dos resultados
eleitorais futuros, tomando como base a leitura de resultados de pesquisas
presentes. A imposição de uma determinada leitura das pesquisas fisga o
observador num anzol.
O analista de pesquisas publicadas, dessa forma, insere-se no jogo
como uma espécie de vidente. Apoiar-se no prognóstico dele, se ele “nos
favorece”, ou desconstituir esse prognóstico usando outras pesquisas ou outras
interpretações das mesmas pesquisas, se ele “nos prejudica”, é um imperativo da
disputa em torno da construção de um clima de opinião que “nos interessa”. O
passo seguinte é enredar o eleitor na crença de que o simulacro é a realidade. Por
isso, nessa eleição, vimos institutos aparentemente independentes, “prestando
serviços” às duas candidaturas que passaram ao segundo turno.
Nem sempre funciona. Quando os institutos erram algum prognóstico,
depois de terem inundado o espaço midiático com estimativas sobre o resultado
da eleição, para explicar a distância entre o prognóstico e o comportamento
eleitoral, recorrem às margens de erro; às mudanças bruscas das opiniões sob
impacto de fatos novos, enfim, todo o tipo de argumento “técnico” é usado para
explicar o inexplicável.
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